quarta-feira, 31 de agosto de 2011

"Aos loucos de coração mantidos enjaulados"

São dez horas da noite. Alguns meses atrás minha noite estaria apenas começando, mas hoje, precisamente agora, as luzes do corredor estão se apagando. Ai de mim se eu acender a laterna que minha mãe trouxe para mim na última visita. Se acende-la, eu apanho.
Aqui na prisão o tempo parece não passar, a comida parece papelão, o colchão parece pedra e as pessoas parecem estar em um inferno.
Eu, por outro lado, não encaro isso como um inferno. Agora sei que mereço estar aqui. Fui eu mesmo que causei isso.
Meu nome é Saulo, tenho vinte anos e fui preso há oito meses e meio por usar e vender drogas. Lembro-me de todos os detalhes e de cada segundo do dia que fui preso. Era madrugada e eu dormia profundamente após um cigarro de maconha. De repente, acordei com meu pai me puxando pelo braço e me levando até a porta de casa. Suas únicas palavras foram: Agora você vai pagar pelo que fez! Você não é mais meu filho!
Aquelas palavras doeram mais do que todas as agulhas que já tinha usado entrando juntas e ao mesmo tempo em meu corpo.
No caminho da cadeia eu já não tremia mais. Sabia que cedo ou tarde minhas chances de sair do mundo das drogas acabariam. Eu juro que tentei sair. Mas a sensação maravilhosa que a droga causava nas minhas entranhas era maior que a vontade de parar.
No mundo das drogas eu tinha tudo. Dinheiro, amigos(que hoje sei que não eram realmente meus amigos), viagens sem sair do lugar e experiências inesquecíveis.
Já no mundo real...nada. Nem mais o apoio da minha família eu tinha. Monotonia, brigas, rotina... eu era capaz de enlouquecer se continuasse vivendo naquele mar de mesmice.
Até hoje não sei porque busquei justamente as drogas. Poderia ter arranjado outra válvula de escape, mas não. Fui cair neste mundo que hoje sei o quanto é nojento.
Quase nove meses aqui me ensinaram muitas coisas. Percebi que as viagens causadas pelas drogas não me traziam lembranças como as viagens que fazia com meus pais. O dinheiro que ganhava não era gasto com algo que pudesse fazer algum bem para minha vida. Os amigos que achava que tinha me abandonaram nos momentos de tentativa de abandonar o vício.
 Foi a partir deste momento que percebi que estava trocando as bolas. A vida maravilhosa que eu achava que tinha era na verdade um buraco negro que eu mesmo abri sob meus pés. A vida tentava toda hora se tornar minha melhor amiga. E eu a rejeitava.
Uma pena que no momento em que abri os olhos foi tarde demais. Já estava na porta da minha cela, esperando o policial abrir.
Passei sete meses sem a visita de ninguém. Muitas vezes tentei me matar. Parei de comer. Não conversava com outros presos. A vida parecia ter dado as costas pra mim novamente,
Mas, um dia tudo mudou. Acordei com o policial falando que eu tinha uma visita. Não acreditei quando entrei na sala e vi minha mãe. Chorei como um bebê. Abracei-a pela cintura. Pedi desculpas. Ela acariciou minha cabeça e naquela hora a vida sorriu de novo.
minha mãe me deu um diário nesta visita. E é nele que escrevo agora. Amanhã vou sair daqui e irei para uma clínica de reabilitação. Escrevi este depoimento e o deixarei na cela. Quem o encontrar pode sentir-se reconfortado pelas palavras, da mesma forma que eu.
Por isso digo: Seja você mesmo. Busque seus objetivos. Sonhe. Não escolha o caminho errado. Se isso acontecer, busque o apoio de quem realmente quer o seu bem e te ama. Não cometa os mesmos erros que eu. Você não precisa sair do seu caminho para ser feliz. A felicidade se resume a poucas coisas. Você deve buscar o que ela significa para você. Não deixe que ninguém te prenda como aconteceu comigo. Escute as ideias de seu coração, ele sabe o que fazer. Se o seu coração é louco como o meu você irá se sair muito bem na vida, mesmo que algumas vezes tenha que apanhar como eu. E quando digo apanhar não me refiro à força física. A verdadeira força está bem mais próxima do que se imagina: Está dentro de você mesmo.