Não queria considerar aquilo uma rotina. Eu saia todas as manhãs e
deixava a bagunça para trás. Passava o dia todo fora de casa e quando chegava
do trabalho só o pó, encontrava tudo de pernas para o ar e cheirando a
cigarro.
Aquilo me irritava, mas eu já deveria saber, afinal, fui eu
quem decidiu largar tudo e ir morar com o namorado. Ele é artesão e fuma desde
os 14 anos. Era óbvio que ia passar o dia todo em casa, fazendo as únicas
coisas que lhe acalmavam. Não ia ser diferente na sua própria casa.Não era direito meu tirar isso dele.
A convivência é uma das chaves mais difíceis de se conseguir
na vida. Desejar é uma coisa, viver é outra. É o mesmo esquema da
teoria e da prática. Uma grande aventura.
Em meu felizes para sempre, eu nunca imaginei o cheiro de
cigarro, a bagunça, as contas para pagar e a louça suja na pia. Era bem
diferente do sonho e logo acabou se transformando em um pesadelo alimentado por
brigas, ressentimentos e um frio claramente existente entre nós dois. Aquilo era a realidade.
A promessa que havia feito para mim mesma de agüentar os
defeitos e tentar amenizar minhas manias também estava cada vez mais esquecida.
Um dia cheguei cansada do trabalho, joguei minha mochila no
sofá cama e encontrei-o sentado pintando uma tela. A casa novamente cheirando a
cigarro, um prato sujo ao lado e um copo de cerveja pela metade. Eu irritada,
achei que aquilo enfim havia se transformado em uma rotina que eu simplesmente
odiava.
Brigamos feio.
No meio da noite eu despertei com os olhos pesados de
lágrimas. Ele estava ao meu lado dormindo daquele jeitinho de sempre, encolhido
e abraçando o travesseiro.
Eu sentia raiva, mas a sua respiração tranquila e o cabelo
bagunçado, me fizeram imediatamente colocar minha mão em seu rosto quente e
passar a acariciá-lo como sempre fiz.
E, com os movimentos de vai e vem que me fizeram sentir a
sua pele macia no dorso de minhas mãos, a raiva passou e me fez lembrar o porquê
de eu ter me apaixonado há quatro anos atrás.
Tudo nele me encantava. Até o cheiro do cigarro era como uma
marca que me lembraria para sempre do homem da minha vida. A bagunça trazia a
sua presença para sempre ao meu lado me lembrando da razão pela qual eu vivia e queria realizar todos os meus sonhos.
Aquela sim era a minha rotina. Sem nada do que me trazia
irritação, a minha realidade não estava completa. Aquilo era meu conceito de
felicidade, aquilo era EU.
E quanto ao felizes para sempre? Eu acho a palavra sempre
muito pesada. Parece uma regra que você é obrigado a seguir. Prefiro construir
a minha própria: vivendo um dia de cada vez e como se fosse o último, dando
valor a uma pequena carícia ou mesmo a um prato sujo no chão, você acaba por
transformar aquilo em um sempre, e assim construindo a felicidade e
considerando a eternidade hoje, aqui e agora.
Isso é realidade. É ser feliz para sempre. É amor, é vida.