terça-feira, 11 de outubro de 2011

Eu sinto...

Eu acordei aquela manhã com a mesma sensação de aventura de todos os dias no coração. Levantei da cama e me guiei até o banheiro onde tomei minha ducha e escovei os dentes. Doze anos naquela rotina de adaptação me fizeram não precisar da minha mãe para estas atividades.
Meu nome é Giovanna e sou cega. Não nasci assim. Quando era bem pequena conseguia olhar a beleza do mundo. Mas, quando tinha oito anos, fiquei muito doente. Três meses depois a doença foi embora, mas, infelizmente, levou junto a minha capacidade de enxergar.
Hoje não ligo mais para isso. Claro que gostaria de ter minha visão de volta. Mas, aprendi a enxergar as coisas e a beleza de outra forma.
Para todos que me conhecem, é muito estranho que meu mundo não tenha ficado estagnado nos meus oito anos. Ele mudou e muda constantemente. E eu cresço junto dele.
Quando fiquei cega, as pessoas ficavam com dó e colocavam as coisas em minhas mãos, para que eu as sentisse. Mas, não desmerecendo estas pessoas, pouco me lembro da textura, do tamanho e da cor destes objetos. A vida me ensinou que não basta querer é preciso se esforçar. Se eu não quisesse, nada iria acontecer e eu não “veria” nada outra vez.
A minha casa é meu porto seguro. Aqui conheço tudo e vejo tudo também.
Na rua, tudo é uma aventura. É difícil viver em uma cidade que não é adaptada a deficientes. Aqui, prometeram adaptação há uns sete anos. Estou esperando até agora.
Tudo na rua é hostil, diferente. Parece que cada dia as coisas mudam de lugar só para atrapalhar minha vida.
Vivendo em um lugar como esse é preciso encontrar algo em que você possa se segurar.  No meu caso, encontrei aonde me segurar.
O parque é meu lugar favorito. A grama limpinha, cheirando a orvalho, me indica a cor verde. A árvore com seu tronco grosso e desuniforme me indica a cor marrom, que me traz força. O céu, com sua brisa suave, me remete a cor azul e me deixa  calma. Aqui, posso enxergar tudo novamente. Posso viver de novo. Me sinto segura sabendo que estou ao lado de coisas agradáveis que estão aqui pelo meu bem. Ou que pelo menos não mudam de lugar.
Esta segurança é o que motiva a minha vida, a beleza e a minha superação. É o que traz meus olhos de volta.
Leonardo da Vinci já dizia que os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo. Então, você provavelmente deve se perguntar: Como então, que eu enxergo as coisas? Simples resposta: eu sinto.
                                              

2 comentários:

  1. Conto muito delicado e suave. Gostei muito!

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  2. Como disse a Tami, conto muito delicado e suave. Eu acrescento dizendo que apesar de ser delicado é, ao mesmo tempo, forte! Com coisas profundadas e especiais. Muito lindo!

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